Os desafios de incluir a obrigatoriedade de reserva de 20% das cadeiras nas Câmaras dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais.
Por Cleidiane Martins – Advogada – OAB/PA 19558
A participação das mulheres na política brasileira tem crescido timidamente nos últimos anos, houve aumento na representação de mulheres indígenas, negras e transgênero, impulsionada por mobilizações sociais, incentivos legais e, sobretudo, pela força das próprias mulheres que desafiam o cenário de sub-representação.
No entanto, mesmo com avanços, ainda estamos muito mal na foto, — e o debate ganhou novos contornos com a proposta do Novo Código Eleitoral (PLP 112/21), atualmente em discussão no Congresso Nacional e pode ser votado no próximo mês no Senado Federal.
Mas, afinal, o que muda para as mulheres nas próximas eleições se esse novo Código for aprovado, especialmente se tratando da reserva de 20% das cadeiras no legislativo?
O relatório do Projeto de Lei Complementar nº 112/21, cujo relator é o senador Marcelo Castro (MDB-PI), prevê a instituição da reserva de 20% das cadeiras para candidaturas femininas na Câmara dos Deputados (âmbito federal), nas assembleias legislativas (âmbito estadual) e nas câmaras municipais.
Em um primeiro momento parece positivo, todavia, em relação a regra relativa ao percentual obrigatório de candidaturas femininas que já existe, o relator acrescentou uma cláusula que a torna inaplicável a regra durante um período de 20 anos o indeferimento do registro do partido que desobedecesse a regra da cota dos 30% de candidatura, justamente sob a escusa de que a reserva de 20% de cadeiras nos parlamentos, por si só, cumpriria a função do legislador de maior participação feminina na política.
Ora, se aprovado nestes termos, o Novo Código Eleitoral não trará mecanismo de incentivo real para que os partidos lancem mulheres além do mínimo legal. Na prática, os partidos continuarão tratando as candidaturas de mulheres como mero “cumprimento de formalidade”, sem o devido apoio estrutural.
Outro ponto de relevo, trata-se da distribuição desigual do fundo partidário entre homens e mulheres. Imaginemos o cenário da reserva de 20% das cadeiras para mulheres sem o devido incentivo das candidaturas acima do percentual de cotas, elas disputarão com apenas 30% do fundo partidário (quando esse recurso chega), enquanto os homens concorrem com o restante dos 80% das cadeiras com 70% do recurso.
Nesse cenário, as mulheres precisarão fazer um esforço hercúleo para conquistar menos espaço, o que pode aumentar ainda mais a sobrecarga das campanhas femininas e a dependência de estruturas tradicionais. Esse sistema reforça o engessamento das estruturas partidárias, dificultando a renovação e o surgimento de novas lideranças femininas, sobretudo das mulheres negras, indígenas e transgênero.
O poder permanecerá nas mesmas mãos tradicionais, havendo pequenas renovações com a maioria das candidaturas competitivas femininas advindas de vínculos com figuras masculinas do poder — esposas, filhas ou parentes de políticos tradicionais. Isso limita a diversidade de trajetórias e dificulta o ingresso de mulheres com trajetórias próprias, vindas da base social, das periferias ou de movimentos independentes.
Enfim, o Novo Código Eleitoral traz ajustes importantes, mas ainda falha em garantir equidade real na disputa política entre homens e mulheres. A previsão de destinar 20% das cadeiras para mulheres nos parlamentos parece um avanço, mas é um número ainda insuficiente para corrigir a sub-representação histórica.
Considerando que as mulheres são mais da metade do eleitorado nacional, esse percentual continua mantendo o poder nas mãos de uma minoria masculina e branca, sem estimular a renovação, a diversidade e o protagonismo de novas candidatas, corre-se o risco de institucionalizar uma desigualdade travestida de avanço.
É preciso seguir lutando: por incentivos efetivos à participação feminina, pela renovação das lideranças, pela autonomia das mulheres dentro dos partidos e por uma política mais aberta, diversa e representativa da sociedade. E esse caminho passa, inevitavelmente, pela formação política, pelo apoio jurídico, pelo fortalecimento de quem deseja ocupar seu espaço com voz, coragem e independência e muita vontade política.
- A autora é advogada especialista em Direito Eleitoral